Foto Grafia P.VIII

 

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[I]

uma gota

é a esfera líquida

abraçando a matéria

para não cair abaixo

redonda redoma

reflete o que há

e se não houver

reflete gota

pingando

tecendo lago

largada

gota molhada

egoísta

 

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[II]

convexa

ou côncava

depende do ponto

de vista da gota

torta intolerável tona

gota cafona

brilhando topo

escorregador

gelo água vapor barato

a gota no galho

se esconde

do galo e do gato

 

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[III]

pomposa

gota gostosa

que na ponta do nariz

suou lacrimejou cuspiu

molhou a vida

gota marota

de cabeça no lugar

se aquieta, menina

você é moça

quando menos espera

– voou –

a gota some

Foto Grafia P.VII


Amizade é coisa branca
sólida feito pão da madrugada
e líquida feito água mole-pedra-dura

relação que não fura nem fere
leite com manga
mito dos interesses e coleguismos
que não se mistura à pureza
de uma amizade verdadeiramente
valente e valiosa

é choque atrito raro
vespertino choro risada contente

amizade solidão a dois
que chega a qualquer hora
brotada numa horta sem terra
onde cultivei amores
que frutificaram irmãos

amizade solidão que nada
pé na estrada de uma vida longa
via do impossível de pedágios arbitrários
cobra caro a coronhada cúmplice
que sobre nosso supercílio estoura
quando não há ombros para se chorar

um amigo um papagaio
a torcida do flamengo e o ruído do municipal
tudo é fala na boca que cala
no colo do conselho que exala cuidado
(…)
(…)
num trago num beco num canto
nos versos de um poeta amigo
o mundo cabe em bando
feito turma feito galerinha
festinha na garagem da lembrança
espererança de companherismo
criancice erê apaixonado e verdadeiro
criança não mente porque é amiga de si mesma

amizade bicho solto
que existe na simbologia da existência
de um indivíduo anjo

brinco na orelha esquerda
argola do destino
que contorce nossas vidas
por um caminho quase cíclico
a amizade é o pedaço que falta
e na parte que falta cabe de tudo
o defeito e o conserto
o erro a cachaça a piada
a sabedoria o nelson rodrigues
ou a viagem mal feita

amizade é céu estrela
é flash de luz no quarto escuro
que faz brilhar cada dia
numa esporádica aparição

dinheiro não conta
é falácia de pagamento sem fundo
mentira segredo contudo compreeensão
ascende a razão e passa a bola
amizade é mola do colchão que se nina
o resto é o resto
pecado piegas pocilga esmola

amizade é uma menina:
doce e branca feito leite
que visita de vez enquando
calada ou espalhafatosa
preguiçosa e simples

é bonita
posto que em si, infinita
*******à Leka
***à todos nós

Foto Grafia P.VI


a ampulheta
é um marcador
tão insano
quando a idéia
de marcar o tempo

Foto Grafia P.V



os velhinhos
tem uma coisa assim
que parecem meninos
e meninas novinhas
inocentes e infantis
que querem apenas querer
ou querer mais do que pode
ou nem querer
e só satisfazer a vida num sorriso

velhinho olha
como quem nunca olhou
curiosamente
sem vergonha de perguntar porque
e sem vergonha nenhuma
ou com toda do mundo
eles são únicos
e comuns
na ótica da beleza
e realeza viva

eles são belos
às vezes são chatos
porque não são daqui
não compartilham o caos do mundo
possuem ou não possuem
um caos todo próprio

eles adoram presentes
eles adoram visitas

velhinhos poderiam
ser uma teoria platônica
para que pudéssemos
aplicá-los em tudo

ah, vê-los me faz
querer crescer
e quando grande, grandão
diminuir
porque essa é a sabedoria dos velhos
saber esvaziar
dando ao próximo
sabedoria experiência e graça

Foto Grafia P.IV



vejo os morros
onde habitam gente
como a gente
parecerem condados
ou abadias

que se interligam
pela clandestinidade
de andarilhos
ou pombos irradiados

desenvolveram cultura
são negros
e brancos-negros
porque a negritude
não tá na cor

a realidade deles
não nos pertence
a nossa realidade
é nossa

incompatíveis
diferentes
nem melhor
nem pior

sinto os morros
onde tanta gente
é gente
parecerem cercados
ou fodidos

e ainda pagam aluguel
como suborno
aos soldados do povo
que povo?

são cuba
isolados do tio sam

resistem bravamente
e exportam drogas medicinais
ou ilegais
coisas banais
que fazem gente feliz
e os europeus viverem mais

reprimir é dar forças

não se mata
o que é imortal

a luta de classes
dá empate

ganha
quem melhor
pular no carnaval.

Foto Grafia P.III



o poste pode ser a igreja
que através dela vemos o sol
que é o deus dos brasilíndios

se derrubássemos as igrejas
e arrancássemos os postes
a humanidade estaria cega

e a cegueira é o estado
de liberdade onde assumimos
nossos tombos por culpa do acaso

em frente a deus somos escuridão
porém ungidos de luz
em volta beiradas contornos

somos o poste e através de nós
a humanidade obtém a fé
que vem de um só lugar

que explode em um só lugar:
no branco infinito da face de deus
ou da explosão do sol

o deus é o que quiser
sempre será ofuscante e poderoso
e o que é o poste?

O poste é a fé.

Foto Grafia P.II

recoloco
as cordas do meu cavaquinho
com a paciência
de um pescador
tecendo a rede

e admiro
cada nota que inicia vôo
ainda desafinada
e sem jeito

arrisco
uma levada

levo

e as pontas dos dedos
bolhas e calos
dor que não dói

improviso um choro
sem escalas e sem regras
influência negra
do jazz

não acabo nunca
passeio infinito
pela musicalidade
feito inércia em vácuo
ou em cavaco.



Foto Grafia P.I


aquela fotografia
você lembra?

parecia
que não parecia
mas aparecia
sempre

onde quer que for
vi fotos nos jornais
dos jovens de aluguéis
que fotografavam

meninas
de mini-saia
passavam
e passeavam

enquanto a foto
ia focando o fato
ia fazendo fogo
e cozinhando a arte

escrever com luz
todo mundo sabe

o fotógrafo
é um poeta

Dois Corpos e Uma Verdade: Qual?

Era um típico menino burguês que sofria de sobrepeso e se pendurava pelas pernas tortas de tanto se agüentar em pé. Nem ele sabia quantos anos tinha, pois fazia aniversário semanalmente. Brinquedos e mais gorduras saturadas eram parte da festa. Festanças comemoradas, às vezes, a sós – com um enorme pacote de biscoitos da sorte. Mas tinha tão pouca sorte, aquele filho da puta de menino. E ainda pequeno mal sabia falar enquanto já falava demais. Eram peripécias de um QI sobrenatural que caira sobre aquela criança mimada.

E Joãozinho crescia desaforado e por muito tempo teve que cuidar do colesterol. Tanto bife tive que grelhar, porque fritura era impróprio no almoço. No jantar podia se não ele mal jantava. Já ia pra escola sozinho e voltava sozinho e vivia sozinho e me pedia comida. Era um estúpido que falava coisas fantásticas sobre o mundo a fora, mas não sabia falar. Com apenas quinze anos e com quarenta quilos a menos, João virou acadêmico. Me explicaram que isso significa estudar para atingir o nível superior. Ele quer ser alto, agora que é quase magro, aos dezenove.

Há muito já desconfiava que ele era viado. E agora só podia ser chamado João Pedro. Já com mestrado em mãos, ele acudiu o falecimento dos pais. E foi morar em Paris com a herança, para arriscar um doutorado para o fim do ano que vem. Agora me dá ordens em francês e não gosta quando digo que não entendo. Me pede como à sua mãe mas me recompensa como uma escrava. Diz ele que é lido pelo mundo todo, mas eu não acredito. Continua hoje, aos trinta e cinco, usando a mesma cueca dos vinte e quatro. “Foi mamãe quem deu”, repete orgulhoso. E ai de mim se não passar do jeito certo. Ele é um verdadeiro doutor de merda. Tenho certeza que um desse na favela morria X9.

"Me peguei pensando outro dia na possibilidade de voltar para o Brasil", tive coragem de dizer. Uma gargalhada alta aberta sincera ímpia e ácida foi a minha resposta. Casou com uma mulher linda, mais linda do que toda beleza do patrimônio e do sucesso. E eu estava presa arruinada no delírio dos outros. Sendo obrigada a ver o paraíso através da ótica da sujeira. Há trinta anos eu lavo banheiros e passo cuecas, tá ouvindo seu joão? Acho que morri e o senhor esqueceu de me enterrar. A sobremesa de hoje a noite teve um tempero especial e eu, como boa emprega, comi o seu resto. Veneno. Seremos iguais daqui a no máximo cinco horas. Assinado Beth.

Quando acabou de ler a carta deixada em seu livro de cabeceira, João Pedro riu. Achou que era loucura de uma idosa carente e morrinhenta. Pior foi Beth pensando que nem na última hora a vida lhe seria justa e morreria ali sozinha, sem uma lágrima de funeral. João leu apenas oito páginas do ainda primeiro capítulo e faleceu sem ponto final. Beth morreu virgem e com tanto ódio no peito que, de câncer, reviveu.

Post Marginal

Eu de tão vagabundo
vi a lua se pôr por trás do prédio.
Nada de tédio.
Eu tava lá sendo feliz quietinho
sem perturbar ninguém.

********

A escrita, tal qual a conhecemos, vai acabar. E saber desenhar todas as letras do alfabeto vai ser um luxo burguês reservado para os nobres.

********

A confiança
Faz do homem mais sincero
O melhor mentiroso

engraçado, né?

********

se ninguém sabe
a verdade absoluta
sobre nada

então
porque tanto
se discutea verdade?

Arara Azul

eu vi uma guitarra
sendo violentada
pela porrada forte
de uma haste em riste

era de berimbau
era de rock in` roll

eu vi pernambuco
virar um rio de fumaça
vi cantar na raça

vi uma bateria
tendo ataques surtos
de musicalidade incandescente
e era incansável

vi uma menina luz
que sorria paz

eu vi iluminação verde e azul
por trás do palco branco
e a poesia dançava
sem mais nem porquê

eu vi uma lágrima.

e vi a noite
com lua de esfirra de queijo
e curvas caminhões
esquerda ou direita?
[agora já era]

eu vi o dia nascer
e quando adormeci eu vi
é rara mesmo, a vida.




Tão Altos

nos acostumamos mesmo a ver as coisas de cima
e assim pensamos sobre tudo que está abaixo
sem o menor pudor de sermos altos
superiores do que aquilo que seria tão maior
se o víssemos de baixo ou de igual para igual

somamos nossos contrapesos e não dá em nada
somos tudo que somos enquanto isso o sol nasce
e nos orgulhamos de o ser enquanto isso o sol morre
e morremos lutando enquanto o dia renasce

nos acostumamos mesmo a ver tudo do alto
pensávamos que seria pra sempre o nosso hoje
elevados ao ego ou ao credo o que for

tão altos que somos [tão altos]
que padeceremos breves e tangentes
por não dá valor ao pé no chão

o ponto de vista é a pista do mundo
vagabundo mundo que se vende ao olho humano
tão altos que somos [tão altos]

impossíveis de observar as estrelas
que nos ninam a noite inteira nas alturas

desencontrados da vida simples
no corpo e mente da mulher amada

nos acostumamos mesmo a falar mais das coisas
do que nas coisas da vida
e tão altos que somos [tão altos]

esquecemos da vida
e enfim
nos acostumamos.

Inacreditável



Numa cidade muito longe, muito longe daqui...o time de futebol mais querido, atuando em partidas excepcionais, é recém campeão de um título em decisão de dois jogos, devidamente vencidos. Na competição de maior peso no seu cartel dos “a jogar”, uma barreira de oito metros eliminatórios divida em mais dois duelos, um fora e outro dentro de casa. De praxe é que a torcida faça gols e transforme o elenco do time em um quartel general de guerrilheiros infalíveis. Já quando ainda mais longe daqui, o time não tem hábito de ter êxitos tão significativos, mas teve. Venceu lá fora, onde era impossível vencer. Perdeu aqui dentro, onde era impossível perder.



Não há zuação ou zombaria que se compare ao silêncio do torcedor, ou melhor, de qualquer cidadão brasileiro que seja minimamente fã de futebol. Inacreditar é um princípio mais que filosófico que move mais do que títulos e comemorações. No dia sete de maio do ano galopante de dois mil e oito, o silêncio falou mais alto. Pra compor um quadro mais bem elaborado de coincidências ainda é preciso dizer que sete de maio é conhecido como o dia do silêncio, de verdade. Na literatura, Anjo Pornográfico é o nome da biografia de um homem que merecia estar vivo, porque nós precisávamos da analise dele sobre isso. Talvez precisamos até mesmo ouvir o silêncio de Nelson Rodriguez. O anjo negro é um personagem que ninguém escreveu. Um herói bandido que trabalha com os pés e perde jogo com as mãos. Não dá para acreditar na perfeição simétrica do destino. Parece que alguém planejou tudo durante noites e mais noites de pura insônia.


A felicidade duelando diretamente com a tristeza. Eqüidistante. Como se houvesse um déficit, uma compensação. Inacreditar nessa perfeição tragicômica é um presente que só o Flamengo pode proporcionar. Nem de grego, presente à moda brasileira. Cinqüenta mil torcedores pagam para ver exatamente aquilo que eles não queriam, o pesadelo da derrota, da eliminação, do vexame. A despedida do comandante era pra ser com chave de ouro, mas pra que trancar a história? O futebol é arte não só na lambreta, mas também na lama.


Aedes Aegipty

o acaso é uma pistola
que atira no alumínio do destino

e acerta no menino ferrão mosquito
a picada febre do fim da picada

o acaso é causado e descabido
na água parada a pedra no caminho

tão querendo nos fazer de acaso
mas água parada, há mais que vizinhos

há mais água que gente no mundo
a gente é feito de água

o acaso é um tiro sem arma
posto que a pólvora é a natureza

e a natureza é a mãe do acaso
uma pistola que nos acerta por acaso

uma picada que fisga a qualquer preço
um apreço um esforço um esboço

tudo é acaso, meu bem, acaso
meu povo precisa de menos culpa
e mais remédio.

Arrolho

a rolha te viu

antes que você

visse a rolha


o olho que vê

a rolha que é vista


invista no que vê


veja você

porque o relevo

da realidade

é invisível


a rolha no espaço

entre o vácuo

e o terraço


então veja você

estamos aqui

para ver


um olho

no mar de olhos


uma rolha perdida

no meio das rolhas.

Porque um olho vê a vida; e o outro, o vasto.

Coisa estranha é iniciar o texto da sua primeira postagem pensando que isso será exposto em um blog. O que é um blog? Ninguém sabe bem responder e qualquer resposta que se dê será incompleta. Precisamos, certamente, de mais tempo para descobrir. Mas aqui quero deixar registrado aquilo que eu quiser. Ou melhor, tudo que eu puder ver com a visão lírica de mais um novo bloggeiro.

Cabe dizer quem sou eu? Ali do lado direito tinha um lugar para responder essa pergunta. Eu modifiquei e ficou muito melhor: “Quem é você?”. Bem, eu tento estudar jornalismo. Sou manobrista de poesia nas horas vagas. Mas de que importa mesmo? Isso não é tudo que sou, quem dera fosse só isso. A amplitude do ser é tão grande que nem com três blogs diários de autodefinição, seria possível se saber. Então porque essa pergunta repetitiva e impossível?

Quando pergunto quem é você, não é nada disso. Não quero saber seu currículo, só seu nome e o que você está achando dessa zona chamada Olhar Lírico. Não existe “bem-vindo” pra quem está em casa. Senta por aí que enfim...madrugaremos.