Abrigo

obrigado,

pelas obrigações

 

pelas missões

quiça mensalões

por teses folias

balões

pelas obras e brejos,

obrigado

 

pelo gado doente

o bom grado

pelo gosto gelado

pela neve

obrigado pela pele

pó enrugado

corpo

 

objeto absorto

vivido mudo gordo

pesado sem pesar

duro pedra

obrigado

pela pedra

que ensinou o caminho

e o canteiro

obrigado

 

pelo leito

leite cabra coentro

pelo jeito dado

e pelo não acabado

punhado de nada

obrigado, obrigado

 

agradeço

e peço gratidão

 

bocado de visão

para ver o belo

o elo sagrado

satisfeito

selva do peito

 

o ponto

de se viver obrigado

e ser grato

pela obrigação

Alguém sugere um título?

toda tristeza do mundo

é só sua – e de mais ninguém

quando é impossível

explicar o que é

ou o que causa

essa tal tristeza aguda

 

nem o amor te segura

nem o relógio te alcança

é preciso alimentar a alma

 

nas ruas as sirenes não mentem:

dois carros se acham no choque

dois corpos lamentam no chão

e aqui dentro nada disso importa

ao motorista resta abrir a porta

mas o poeta já não tem portão

 

por isso chorar é pouco

mentir é pouco

pecar é pouco para redimir

– matar seria pouco para viver –

pecar é pouco para o perdão

errar é entrelaçar o dito com o não dito

e repito: nem sei mais o que disse.

 

porque toda tristeza do mundo

é essa que habita a incompreensão

 

nada no mundo perdoa

o relógio te segura o pescoço

é preciso sempre alimentar a alma

 

nas ruas o frio assola o sono de quem não dorme

e dormir parece bom

porque logo tem de acordar

para logo voltar a dormir

ou enlouquecer a pensar por aí

até o dia te pedir em casamento

e debaixo de lua enevoada

te deitar na cama

 

no escuro os sonhos são lindos

até queremos sonhar mais no claro

a clarividência de ver luz no túnel do fim

ou será que só o poeta é assim?

 

toda tristeza do mundo

tá na lágrima da família dos acidentados

e também aqui no meu peito

na impossibilidade por baixo da cobrança

e em cada solitário diante do inconfessável

inexprimível sentir doente

que se sente

mas mal se sabe o que é

 

nem o amor te ajuda

nem o relógio te impede

só a alma te alimenta:

 

e você sem fome.

Todavia

Todavia é expressa

Porém que é pior

Posto que passei direto

Na curva do retorno

À sobriedade

 

E perdi meu sentido

Capotando polissêmicas vezes...

Depois rodando na ânsia

De nunca mais

Ser depois

 

Entre um giro e um giro outro

Outro giro e o grito solto

Cavalinho de pau na retórica

Já que dividi a frase

Em mão                      >

               -

<                  dupla

 

Toda

        Via

             é pressa

 

Todavia,

Ninguém merece apreço

Sem pagar o preço

Pelo rodopiar

Em letras.

Cadeiras ao par

No meu quintal

existem duas cadeiras

 

Confortáveis

 

Por cima delas

fiz questão de mandar

que construíssem o céu

 

Já que sou milionério

- por parte de natureza -

fiz um veu infinito

e nele, infinitos pontos

 

Luminosos

 

Só existe uma, uma só

que me faz companhia

e juntos, o impossível

no milímitro do viável

 

Cadeiras acoplada ao par

infinito divido à dois:

 

Infinito

 

No meu quintal

existem dois infinitos

 

Um sou eu

Outro também.

 

Texto bem velho. Talvez de junho do ano passado, mas enfim, tá aí só porque o achei, impresso aqui, perdido pelo chão. Obrigado pelas visitas. É um prazer. Paz.

Tanto Faz

um infinito de porquês eternos

poderíamos arrotar durante horas

argumentando o que não tem porquê

 

ou catando razões no paliteiro

para tirar dos dentes aquelas verdades incômodas

 

falamos na língua mais presa

e os pés medem o mesmo tamanho

somos quase iguais e quase somos nós

 

no limite do sucesso particular

e na beira do abismo psicológico

entre o que todo mundo é

e o que esse mesmo todo mundo condena ser

 

a loucura bate na porta

mendiga porquês

 

ignorar é um bom passo

mas daqui a pouco nem pão

nem mão, a desigualdade te toma o braço

 

e nessa brincadeira, quem é você?

e quem sou eu, nessa encruzilhada para ratos?

 

a resposta mais coerente me parece ser: tanto faz.

Poesia da Gota

 

há pouco, tava no hospital

mas no caminho me perdi de leve

e me peguei com quatro discos de vinil

entrando pela portaria feito um dj

 

luiz gonzaga jr. deu bom dia às 22h

joão com caetano e gilbertino bethânico

e tinha dois do moraes

 

os discos têm retratos que riem da gente

eu sem uma vitrola de bolso sequer

lia encartes e imaginava melodias

 

agora já em casa, alimentado e dormido

me falta um benjamim pra bifurcar a tomada

da pick-up-fusca e do amplificador solene

 

quem me traz? ninguém.

mas e daí? a poesia vem.

e sem medo de escândalo.

Como Só Ela

quando vejo um negro

preto como a noite

sorriso enluarado

sinto um orgulho armado

e tudo que queria

era ser você

de chinelo de palha

mascando cana

 

e namorar as negras

tão pretas que somem

na madrugada

e só se acham

em nossos braços

porque são lindas mulatas

 

porque a raça é

bela como nunca

 

e forte como só

     ela

 

resistente como só ela

como só ela é

 

ela é a raça

do povo de Deus

 

caboclo do breu

em brasa

cor preta,

          teamo!

<==>Shuffle<==>

a vida é shuffle

aleatória

e sem história

anti-presença

de cadência

e harmonia

 

um rit

um samba

sample, sampa

maracatu

atômico

ou atônito

 

rock

clássico

pop popup

ídolo de barro

anarquia

culta

não há

 

aleatoriamente:

olhos de moraliza

orelha de

Van Gogh

pés de Tarsila

 

shuffle de vida

sem porque

porque o programa

é esse.

 

cinco mil obras

shuffle

e nenhum sentido.

 

a não ser

é claro

o próprio sentido

do shuffle

 

que é optar

sem ser optativo

e ser alguém

mesmo sem ser ativo

 

salada de obra

arte na veia

veia de obra

de arte

 

arte da repetição

arte contra-mão da arte

arte shuffle.

 

viva [com alto teor de deboche]

o mundo shuffilizado!

Violentar a Rima

Me foge o tempo

Me escapa, sem pudor, as idéias

O raciocínio camuflado

Emerge na rotina castigada

Do caçador de poesias

 

Vasculhando cada gaveta de memória

Cada vestígio que me leve à pistas

E acabo de descobrir o nocivo tema

 

Acuso em versos à escassez dos versos

E grito o verbo que me torna o avesso

Devasso, confesso

Julgado e condenado por violentar a rima.

 

Mais um das antigas. Lá pelo ano de 2006.

Muito obrigado pela sua visita.

Vai Vai

eu me sinto um pianista

escrevendo poesia

num teclado macio

 

e de fato

faço música

no verbo

 

vai

     vai

 

vai-vai

A Vida A Vida A Vida

a vida pequena no dia a dia

curta nas vinte e quatro horas e meia

meio mole é a vida na esquina sem luz

 

a vida curtinha do jardim da infância

e a infâmia da vida sem lei, o meu rei

na madrugada da vida na via sem encosto

 

o acostamento do desgosto a vida tem

e no posto da esperança fiz acampamento

a vida era cimento lá dentro de mim

 

no fundo do mundo a vida escorrendo

do prato sem fundo ou do mudo que abala

a vida se cala na fala do coro e desencoraja

Uma Parte

Uma parte que me deixa à parte

Ninguém curte

Unicamente surto

Pelo vão, pela via

Pedaço, de extrema ungia

 

Nem costas, nem seio

Sem nomes, batizo

Nem seio, nem costas

Sem afetos, consigo-os

 

Nem meio, nem lastro

Tão quanto embaixo

Nem lastro, nem ponta

Nem meio

Toda corja de cortejos

Sejam cortados.

 

Mas me deixa torto e tonto

Essa parte inominável

Que delega o denso nível

Do pedaço admirável

Centímetros quadrados

Em desejos redondos

Um milésimo, irrecusável

 

Nem nada, nem tudo

Tudo...

...nada é meu tudo de nada

Nada posso...

Além de sonhar:

Sonho...

 

Nem costas, nem seio

Tão quanto me caço

Nem seio, nem costas

Sensível abraço

Só o que posso

E assim mereço

Tocar-te...

 

Te tocar mais calmo

Te falar com medo

Que entre costa e seio

Nada mais é tudo

Apenas um receio

De tocar-lhe o meio

 

Entre o céu e o mar

Num pedaço inalcançável

Feito o horizonte.

 

Texto antigo. De Julho do ano passado. Mas afinal, recordar...

Obrigado pela visita. Volte sempre.

Terraço da Magia Social

no terraço

que visiono

da minha varanda

tem um ser encantado

que vaga

visionando o vento

 

quando na penumbra

o vemos negra

forte e de veia escrava

mulher bonita

que viva

parece um monumento

dentro de sua feiúra

intrínseco no seu contexto

 

na sombra parece uma tia

com rabo de cavalo

que não soma dois centímetros

e uma blusa larga

além dos óculos

 

mas no claro

parece um tio

moreno de cerveja

e aflito por baralho

óculos de sol

boné do ex-prefeito

 

terraço mágico

me desvendou a cara

do meu povo que sou

Um Ponto

eu paro na esquina e peço
um par de piras para por
ao pôr do isopor estrela pura

eu passo paro lado e paro
nem pular posso porque prego
e sem pernas num poço sem pedra

parou a paródia sem prumo
essa porra de verso partido piolho
pedágio de posses portas e um porco

eu desço sem pestes ao ponto
chegada partida da volta lascada
um pedaço de pê. um qualquer, vai aí

eu penso e pugilista de aposta
eu fujo de perder e ganho
só de nem lutar.

Título? Julgue.




eu to amando o mundo
como andando nu, mudo
pelo canto agudo sugerindo
na sujeira submergindo pra girar
o mundo das cordas e versos
as lentes opostas do vulto mudado

o mundo relampejando socorro
o zorro sem máscara roubando o mundo
e dando ao pobre o que se dá a deus
no mundo em que o mundo mendiga

eu vivo amando o mundo
dando a ele o sentimento profundo
da lateralidade minha espírito corpo política

eu amo a multidão como eu mesmo
e não quero mal a nenhum mundano
por mais que seja humano e sem mão direita
e filho de uma vida esquerda sem beira de abismo
o mundo alpinista é um cão com fome

tanto prédio, tanta coisa, tanto tanto
o mundo é um punhado de pranto

Foto Grafia P.XVIII - Final



nota o enquadramento
na imagem que denota o mundo
é um click fagulha
de tempo
que captura o real
e realiza a sagrada ruptura
entre o vivo e o papel

porque o papel tá vivo
ele se comunica
através da foto
da grafia da foto
e do grafar dos versos

posso retratar em verso
e iluminar as interpretações
com flashs de criatividade

nasceram um para o outro

se completam
tão plenamente
que dentro de um:
vemos o outro
de cabeça para baixo
e dentro desse:
o outro
de cabeça para cima

contextualizar
textual visualmente
e aprofundar a alma do leitor
com controversos
além de dar a luz
para as meninas
dos olhos
que espiam sentadas
balançando
pela captura egoísta
da fotografia

porque
escrever com luz
todo mundo sabe

o fotógrafo
é um poeta

Foto Grafia P.XVII

fomos como dois
pequenos passarinhos

e voávamos
pelas manhãs
mais lindas

mantendo eternamente
um sincronismo
que era só nosso
do canto nosso
do nosso planar

jeito nosso
de viver
forma nossa
de amar
]...[

]...[
mas de repente
nos transformamos

e nos encontramos
uma divagando
o devaneio da outra

já não éramos aves
éramos pipas

enrolados
em nossas próprias
rabiolas

voávamos
decadentes

e não podíamos
alçar vôo nenhum
porque perdemos
a vida passarinha

não sabíamos
que tudo passaria
até o amor
passou.

Foto Grafia P.XVI

Sozinho

 

Nas solidões em que me perco
Todo corpo é uma fuga
E sempre fujo, corpo sujo
E assim me perco em mais outra solidão

 

Em madrugadas ligeiras
Só os versos me acompanham
Só a foice mostra a face
Só a força agüenta e deita

 

Nas solidões em que me acho
Rezo um terço em plena terça
E amanheço em outro quarto
Quando não, ajoelhado na esquina

 

E nas tardes traiçoeiras
Bebo a dor de mais um dia
Digo aos outros mil mentiras
E assim recebo tantas mais

 

Pois nas solidões em que me encontro
Todo verbo é o traço da meada
E os fiascos de ilusão compõem
Meu único motivo para amanha, amanhecer...

Foto Grafia P.XV

o que vai restar do amor
quando chegar ao fim
a beleza que existe no amar?

e a beleza que há
em compartilhar belezas
que não se fundamentam no tempo
quiçá na memória saudosa
do caminhar e do namorar e acarinhar

quando tudo for fim
o amor se sustentará pelo medo
da solidão?

talvez sim
mas e se for pouco?

a perfeição dos corpos
é a tolice de uma modernidade
retrógrada e infeliz

onde está a saúde
de nossos sentimentos?

cadê a definição perfeita
para o que sentimos
e a força que emana da fé
em viver de amor?

esquecemos
de malhar os olhos
para apurar os sentidos

e continuamos feito cegos
enxergando o básico
discernindo o feio do bonito
pela ótica da burrice

o que faremos
quando perdermos
a capacidade de amar
em silêncio e no escuro?
quando o corpo
não mais for suporte
à qualquer fantasia

ainda há de restar
ao menos
poesia?

]...[

 

DSC_0196

 

]...[

porque os versos
possuem fins discretos

são como meros fetos
que crescem e se desenvolvem
alimentados pelo amor umbilical

nem idade nem tamanho
o amor que move as rimas
é aquele que nos ronda as sinas
e nos faz amar sem saber

quando as rugas tomarem o rosto
e a velhice se encarregar do resto
quero saber onde todos buscarão amor

encontrar na arte
é se arriscar na sorte

amar assim é corte

solidão em trilha de aplausos
por entre elogios perdidos

eis aqui um salva vidas
que flutua no transalmático
do egoísmo

quando a maré levar
o vai e vem da puberdade
e as ondas de desamor não tiverem pés
o socorro existe
existe amor

pelo menos enquanto
existir a dor de doer
presente na insanidade
do marinheiro-poeta
que se encoraja
na sinceridade de um mar
chamado amor.

Foto Grafia P.XIV

 

a internet
multiplicou
o espaço da terra
por infinito

e nos comportamos
muito bem
na imensidão
do imensurável

somos alienígenas
de nós mesmos

o que somos nós?

 

DSC_0126

Foto Grafia P.XIII

DSC_0084

lá em outro planeta
encontraram um ser vivo
pintado de nada
cuja fêmea
tinha coração maior
que o macho

e todos os machos
eram trisexuais

enriqueciam
com uma moeda
que se toda fosse nossa
seria lixo

só não sabem:
é humano ou não?

Foto Grafia P.XII

 

DSC_0272

 

estou com medo
muito medo

medo de morrer amanha
e lembrar no segundo final
que meus tantos textos
vão ser apagados
na formatação de memória
lavada pelas lágrimas
do meu velório

meus versos
seriam minhas flores

morreriam comigo
e fertilizariam a vida alheia
num ciclo de sortes e azares

quantas vidas
se vão
e quantas obras
se perdem?

um morto
significa uma perda
que não tem tamanho

imensurável
pela justificativa
do invento

desafio a humanidade
a ser humana

vamos respeitar a vida
pois alimentaremos
o progresso

não mataremos
nunca
porque sabemos
que matar
também é morrer

Foto Grafia P.XI

 

Minha terra: tantas tretas
Como outro lugar não há
Mas já houve aqui floresta
Praia, samba e sabiá

Nossa essência, esperteza
Tens aqui mil professores
Honestidade de saída
De saída, sem temores

Em cismar, sozinho, um dia
Me pus eu a observar
Minha terra: tantas tretas
Salvem, salvem o sabiá

Minha terra: tantas tretas
Camufladas lá e cá
Em cismar, sozinho, um dia
Eu me pus a discordar
Minha terra: tantas tretas
Não mais canta o sabiá

Fale Deus se quer que eu morra
Pra não mais ter que voltar
Dos castigos os piores
Hoje quero me exilar
Pois há incessantes tretas.
Se exilou o sabiá.

 

Pátria Devassa

 

em Canção do Exílio, Gonçalves Dias.

Foto Grafia P.X

 

quatro filhos
esvaziados
pela barriga
que agora sente fome

em nome de deus
um trocado

em plena capital do mundo
a pobreza pobrezinha
é sempre podre
e poluída
pelos olhares públicos
cheios de pena

deus abençoe
o doador que não divide
migalha esmola
porque no fundo
acha que vale mais

não é assim
perante deus

pai,
proteja essas
crianças
que nem se quer tem pai

dignidade
nunca é pedir
demais

o mínimo
de humanidade
é a igualdade
eu quero isso
ou então
vou pedir esmola

ao invés do copo
o cidadão
abre uma conta no itaú

DSC_0319

Foto Grafia P.IX

 

DSC_0865

 

era um bicho

homem

 

que observava

o tempo

soerguendo

o pescoço

e a própria sorte

 

ele não sabia

ele não sabia

ele não sabia

 

então babava

sobre a beleza

da vida

sem se preocupar

com seu passar

 

ponteiros

e sombras

 

minutos finais

orações adeuses

 

que horas?

que fiascos

inexistentes

de tempo?

que fiascos?

 

paralisado

o homem se mexeu

sabendo nunca chegar

 

e a ilusão do homem

é fingir que já

chegou

Foto Grafia P.VIII

 

DSC_0609

[I]

uma gota

é a esfera líquida

abraçando a matéria

para não cair abaixo

redonda redoma

reflete o que há

e se não houver

reflete gota

pingando

tecendo lago

largada

gota molhada

egoísta

 

DSC_0610

 

[II]

convexa

ou côncava

depende do ponto

de vista da gota

torta intolerável tona

gota cafona

brilhando topo

escorregador

gelo água vapor barato

a gota no galho

se esconde

do galo e do gato

 

DSC_0611

 

[III]

pomposa

gota gostosa

que na ponta do nariz

suou lacrimejou cuspiu

molhou a vida

gota marota

de cabeça no lugar

se aquieta, menina

você é moça

quando menos espera

– voou –

a gota some

Foto Grafia P.VII


Amizade é coisa branca
sólida feito pão da madrugada
e líquida feito água mole-pedra-dura

relação que não fura nem fere
leite com manga
mito dos interesses e coleguismos
que não se mistura à pureza
de uma amizade verdadeiramente
valente e valiosa

é choque atrito raro
vespertino choro risada contente

amizade solidão a dois
que chega a qualquer hora
brotada numa horta sem terra
onde cultivei amores
que frutificaram irmãos

amizade solidão que nada
pé na estrada de uma vida longa
via do impossível de pedágios arbitrários
cobra caro a coronhada cúmplice
que sobre nosso supercílio estoura
quando não há ombros para se chorar

um amigo um papagaio
a torcida do flamengo e o ruído do municipal
tudo é fala na boca que cala
no colo do conselho que exala cuidado
(…)
(…)
num trago num beco num canto
nos versos de um poeta amigo
o mundo cabe em bando
feito turma feito galerinha
festinha na garagem da lembrança
espererança de companherismo
criancice erê apaixonado e verdadeiro
criança não mente porque é amiga de si mesma

amizade bicho solto
que existe na simbologia da existência
de um indivíduo anjo

brinco na orelha esquerda
argola do destino
que contorce nossas vidas
por um caminho quase cíclico
a amizade é o pedaço que falta
e na parte que falta cabe de tudo
o defeito e o conserto
o erro a cachaça a piada
a sabedoria o nelson rodrigues
ou a viagem mal feita

amizade é céu estrela
é flash de luz no quarto escuro
que faz brilhar cada dia
numa esporádica aparição

dinheiro não conta
é falácia de pagamento sem fundo
mentira segredo contudo compreeensão
ascende a razão e passa a bola
amizade é mola do colchão que se nina
o resto é o resto
pecado piegas pocilga esmola

amizade é uma menina:
doce e branca feito leite
que visita de vez enquando
calada ou espalhafatosa
preguiçosa e simples

é bonita
posto que em si, infinita
*******à Leka
***à todos nós

Foto Grafia P.VI


a ampulheta
é um marcador
tão insano
quando a idéia
de marcar o tempo

Foto Grafia P.V



os velhinhos
tem uma coisa assim
que parecem meninos
e meninas novinhas
inocentes e infantis
que querem apenas querer
ou querer mais do que pode
ou nem querer
e só satisfazer a vida num sorriso

velhinho olha
como quem nunca olhou
curiosamente
sem vergonha de perguntar porque
e sem vergonha nenhuma
ou com toda do mundo
eles são únicos
e comuns
na ótica da beleza
e realeza viva

eles são belos
às vezes são chatos
porque não são daqui
não compartilham o caos do mundo
possuem ou não possuem
um caos todo próprio

eles adoram presentes
eles adoram visitas

velhinhos poderiam
ser uma teoria platônica
para que pudéssemos
aplicá-los em tudo

ah, vê-los me faz
querer crescer
e quando grande, grandão
diminuir
porque essa é a sabedoria dos velhos
saber esvaziar
dando ao próximo
sabedoria experiência e graça

Foto Grafia P.IV



vejo os morros
onde habitam gente
como a gente
parecerem condados
ou abadias

que se interligam
pela clandestinidade
de andarilhos
ou pombos irradiados

desenvolveram cultura
são negros
e brancos-negros
porque a negritude
não tá na cor

a realidade deles
não nos pertence
a nossa realidade
é nossa

incompatíveis
diferentes
nem melhor
nem pior

sinto os morros
onde tanta gente
é gente
parecerem cercados
ou fodidos

e ainda pagam aluguel
como suborno
aos soldados do povo
que povo?

são cuba
isolados do tio sam

resistem bravamente
e exportam drogas medicinais
ou ilegais
coisas banais
que fazem gente feliz
e os europeus viverem mais

reprimir é dar forças

não se mata
o que é imortal

a luta de classes
dá empate

ganha
quem melhor
pular no carnaval.

Foto Grafia P.III



o poste pode ser a igreja
que através dela vemos o sol
que é o deus dos brasilíndios

se derrubássemos as igrejas
e arrancássemos os postes
a humanidade estaria cega

e a cegueira é o estado
de liberdade onde assumimos
nossos tombos por culpa do acaso

em frente a deus somos escuridão
porém ungidos de luz
em volta beiradas contornos

somos o poste e através de nós
a humanidade obtém a fé
que vem de um só lugar

que explode em um só lugar:
no branco infinito da face de deus
ou da explosão do sol

o deus é o que quiser
sempre será ofuscante e poderoso
e o que é o poste?

O poste é a fé.

Foto Grafia P.II

recoloco
as cordas do meu cavaquinho
com a paciência
de um pescador
tecendo a rede

e admiro
cada nota que inicia vôo
ainda desafinada
e sem jeito

arrisco
uma levada

levo

e as pontas dos dedos
bolhas e calos
dor que não dói

improviso um choro
sem escalas e sem regras
influência negra
do jazz

não acabo nunca
passeio infinito
pela musicalidade
feito inércia em vácuo
ou em cavaco.



Foto Grafia P.I


aquela fotografia
você lembra?

parecia
que não parecia
mas aparecia
sempre

onde quer que for
vi fotos nos jornais
dos jovens de aluguéis
que fotografavam

meninas
de mini-saia
passavam
e passeavam

enquanto a foto
ia focando o fato
ia fazendo fogo
e cozinhando a arte

escrever com luz
todo mundo sabe

o fotógrafo
é um poeta

Dois Corpos e Uma Verdade: Qual?

Era um típico menino burguês que sofria de sobrepeso e se pendurava pelas pernas tortas de tanto se agüentar em pé. Nem ele sabia quantos anos tinha, pois fazia aniversário semanalmente. Brinquedos e mais gorduras saturadas eram parte da festa. Festanças comemoradas, às vezes, a sós – com um enorme pacote de biscoitos da sorte. Mas tinha tão pouca sorte, aquele filho da puta de menino. E ainda pequeno mal sabia falar enquanto já falava demais. Eram peripécias de um QI sobrenatural que caira sobre aquela criança mimada.

E Joãozinho crescia desaforado e por muito tempo teve que cuidar do colesterol. Tanto bife tive que grelhar, porque fritura era impróprio no almoço. No jantar podia se não ele mal jantava. Já ia pra escola sozinho e voltava sozinho e vivia sozinho e me pedia comida. Era um estúpido que falava coisas fantásticas sobre o mundo a fora, mas não sabia falar. Com apenas quinze anos e com quarenta quilos a menos, João virou acadêmico. Me explicaram que isso significa estudar para atingir o nível superior. Ele quer ser alto, agora que é quase magro, aos dezenove.

Há muito já desconfiava que ele era viado. E agora só podia ser chamado João Pedro. Já com mestrado em mãos, ele acudiu o falecimento dos pais. E foi morar em Paris com a herança, para arriscar um doutorado para o fim do ano que vem. Agora me dá ordens em francês e não gosta quando digo que não entendo. Me pede como à sua mãe mas me recompensa como uma escrava. Diz ele que é lido pelo mundo todo, mas eu não acredito. Continua hoje, aos trinta e cinco, usando a mesma cueca dos vinte e quatro. “Foi mamãe quem deu”, repete orgulhoso. E ai de mim se não passar do jeito certo. Ele é um verdadeiro doutor de merda. Tenho certeza que um desse na favela morria X9.

"Me peguei pensando outro dia na possibilidade de voltar para o Brasil", tive coragem de dizer. Uma gargalhada alta aberta sincera ímpia e ácida foi a minha resposta. Casou com uma mulher linda, mais linda do que toda beleza do patrimônio e do sucesso. E eu estava presa arruinada no delírio dos outros. Sendo obrigada a ver o paraíso através da ótica da sujeira. Há trinta anos eu lavo banheiros e passo cuecas, tá ouvindo seu joão? Acho que morri e o senhor esqueceu de me enterrar. A sobremesa de hoje a noite teve um tempero especial e eu, como boa emprega, comi o seu resto. Veneno. Seremos iguais daqui a no máximo cinco horas. Assinado Beth.

Quando acabou de ler a carta deixada em seu livro de cabeceira, João Pedro riu. Achou que era loucura de uma idosa carente e morrinhenta. Pior foi Beth pensando que nem na última hora a vida lhe seria justa e morreria ali sozinha, sem uma lágrima de funeral. João leu apenas oito páginas do ainda primeiro capítulo e faleceu sem ponto final. Beth morreu virgem e com tanto ódio no peito que, de câncer, reviveu.

Post Marginal

Eu de tão vagabundo
vi a lua se pôr por trás do prédio.
Nada de tédio.
Eu tava lá sendo feliz quietinho
sem perturbar ninguém.

********

A escrita, tal qual a conhecemos, vai acabar. E saber desenhar todas as letras do alfabeto vai ser um luxo burguês reservado para os nobres.

********

A confiança
Faz do homem mais sincero
O melhor mentiroso

engraçado, né?

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se ninguém sabe
a verdade absoluta
sobre nada

então
porque tanto
se discutea verdade?

Arara Azul

eu vi uma guitarra
sendo violentada
pela porrada forte
de uma haste em riste

era de berimbau
era de rock in` roll

eu vi pernambuco
virar um rio de fumaça
vi cantar na raça

vi uma bateria
tendo ataques surtos
de musicalidade incandescente
e era incansável

vi uma menina luz
que sorria paz

eu vi iluminação verde e azul
por trás do palco branco
e a poesia dançava
sem mais nem porquê

eu vi uma lágrima.

e vi a noite
com lua de esfirra de queijo
e curvas caminhões
esquerda ou direita?
[agora já era]

eu vi o dia nascer
e quando adormeci eu vi
é rara mesmo, a vida.




Tão Altos

nos acostumamos mesmo a ver as coisas de cima
e assim pensamos sobre tudo que está abaixo
sem o menor pudor de sermos altos
superiores do que aquilo que seria tão maior
se o víssemos de baixo ou de igual para igual

somamos nossos contrapesos e não dá em nada
somos tudo que somos enquanto isso o sol nasce
e nos orgulhamos de o ser enquanto isso o sol morre
e morremos lutando enquanto o dia renasce

nos acostumamos mesmo a ver tudo do alto
pensávamos que seria pra sempre o nosso hoje
elevados ao ego ou ao credo o que for

tão altos que somos [tão altos]
que padeceremos breves e tangentes
por não dá valor ao pé no chão

o ponto de vista é a pista do mundo
vagabundo mundo que se vende ao olho humano
tão altos que somos [tão altos]

impossíveis de observar as estrelas
que nos ninam a noite inteira nas alturas

desencontrados da vida simples
no corpo e mente da mulher amada

nos acostumamos mesmo a falar mais das coisas
do que nas coisas da vida
e tão altos que somos [tão altos]

esquecemos da vida
e enfim
nos acostumamos.

Inacreditável



Numa cidade muito longe, muito longe daqui...o time de futebol mais querido, atuando em partidas excepcionais, é recém campeão de um título em decisão de dois jogos, devidamente vencidos. Na competição de maior peso no seu cartel dos “a jogar”, uma barreira de oito metros eliminatórios divida em mais dois duelos, um fora e outro dentro de casa. De praxe é que a torcida faça gols e transforme o elenco do time em um quartel general de guerrilheiros infalíveis. Já quando ainda mais longe daqui, o time não tem hábito de ter êxitos tão significativos, mas teve. Venceu lá fora, onde era impossível vencer. Perdeu aqui dentro, onde era impossível perder.



Não há zuação ou zombaria que se compare ao silêncio do torcedor, ou melhor, de qualquer cidadão brasileiro que seja minimamente fã de futebol. Inacreditar é um princípio mais que filosófico que move mais do que títulos e comemorações. No dia sete de maio do ano galopante de dois mil e oito, o silêncio falou mais alto. Pra compor um quadro mais bem elaborado de coincidências ainda é preciso dizer que sete de maio é conhecido como o dia do silêncio, de verdade. Na literatura, Anjo Pornográfico é o nome da biografia de um homem que merecia estar vivo, porque nós precisávamos da analise dele sobre isso. Talvez precisamos até mesmo ouvir o silêncio de Nelson Rodriguez. O anjo negro é um personagem que ninguém escreveu. Um herói bandido que trabalha com os pés e perde jogo com as mãos. Não dá para acreditar na perfeição simétrica do destino. Parece que alguém planejou tudo durante noites e mais noites de pura insônia.


A felicidade duelando diretamente com a tristeza. Eqüidistante. Como se houvesse um déficit, uma compensação. Inacreditar nessa perfeição tragicômica é um presente que só o Flamengo pode proporcionar. Nem de grego, presente à moda brasileira. Cinqüenta mil torcedores pagam para ver exatamente aquilo que eles não queriam, o pesadelo da derrota, da eliminação, do vexame. A despedida do comandante era pra ser com chave de ouro, mas pra que trancar a história? O futebol é arte não só na lambreta, mas também na lama.


Aedes Aegipty

o acaso é uma pistola
que atira no alumínio do destino

e acerta no menino ferrão mosquito
a picada febre do fim da picada

o acaso é causado e descabido
na água parada a pedra no caminho

tão querendo nos fazer de acaso
mas água parada, há mais que vizinhos

há mais água que gente no mundo
a gente é feito de água

o acaso é um tiro sem arma
posto que a pólvora é a natureza

e a natureza é a mãe do acaso
uma pistola que nos acerta por acaso

uma picada que fisga a qualquer preço
um apreço um esforço um esboço

tudo é acaso, meu bem, acaso
meu povo precisa de menos culpa
e mais remédio.

Arrolho

a rolha te viu

antes que você

visse a rolha


o olho que vê

a rolha que é vista


invista no que vê


veja você

porque o relevo

da realidade

é invisível


a rolha no espaço

entre o vácuo

e o terraço


então veja você

estamos aqui

para ver


um olho

no mar de olhos


uma rolha perdida

no meio das rolhas.

Porque um olho vê a vida; e o outro, o vasto.

Coisa estranha é iniciar o texto da sua primeira postagem pensando que isso será exposto em um blog. O que é um blog? Ninguém sabe bem responder e qualquer resposta que se dê será incompleta. Precisamos, certamente, de mais tempo para descobrir. Mas aqui quero deixar registrado aquilo que eu quiser. Ou melhor, tudo que eu puder ver com a visão lírica de mais um novo bloggeiro.

Cabe dizer quem sou eu? Ali do lado direito tinha um lugar para responder essa pergunta. Eu modifiquei e ficou muito melhor: “Quem é você?”. Bem, eu tento estudar jornalismo. Sou manobrista de poesia nas horas vagas. Mas de que importa mesmo? Isso não é tudo que sou, quem dera fosse só isso. A amplitude do ser é tão grande que nem com três blogs diários de autodefinição, seria possível se saber. Então porque essa pergunta repetitiva e impossível?

Quando pergunto quem é você, não é nada disso. Não quero saber seu currículo, só seu nome e o que você está achando dessa zona chamada Olhar Lírico. Não existe “bem-vindo” pra quem está em casa. Senta por aí que enfim...madrugaremos.